PROJETO BOI NA LENTE:
formação fotográfica e artística
na zona norte de teresina
O Bumba meu Boi, conhecido também como Boi Bumbá em algumas regiões brasileiras, é uma das mais antigas tradições do país, e se concentra predominantemente nas regiões Norte e região Nordeste.
Em Teresina, capital do Piauí, assim como em outras regiões desse e também de outros estados do nordeste, a tradição do Bumba Meu Boi resiste a duras penas para manter-se viva. A falta de políticas públicas de cultura destinada à manutenção é o principal fator, que implica desde a falta de assistência aos mestres e brincantes, forçando-os a buscar renda em outras vias de trabalho para manterem suas famílias e a realizar atividades extras (ex: bingos, churrascos, pedidos de doações, etc) para arrecadar fundos de manutenção dos grupos.
O contexto social da brincadeira - termo como também é chamada a tradição - é periférico, e atravessado por questões de raça e classe. A falta de apoio fragiliza também a continuidade entre os mais jovens, que, imersos em contexto estrutural desfavorável e desestimulador, não raro, desistem de levar os grupos adiante quando, por exemplo, um mestre falece.
BOI TOURO DA ILHA
O grupo de Bumba Boi Touro da Ilha foi formado por brincantes do Bumba-Meu-Boi Estrela Dalva e Dominador do Sertão, ambos também gerados nessa zona da cidade. O batalhão foi originado e segue sob o comando de Mestre Chiquinho.
Apesar de se concentrar nos meses de junho e julho, as atividades do Bumba-meu-boi Touro da Ilha dura o ano inteiro. No sábado de Aleluia é o nascimento do boi. O grupo se reúne, reza um terço e os encontros do batalhão começam logo em seguida. É o momento de ensaiar as coreografias, aprender novas toadas e rememorar as antigas. Na fogueira de São João, 23 de junho, o boi é batizado. Os padrinhos e madrinhas benzem o brinquedo e o grupo. Entre agosto e setembro o boi é morto em uma grande festa-ritual.
Matracas, chiadeiras, maracás e pandeiros de couro animam a brincadeira. Dança, canto e teatro se misturam. Caboclos de pena e caboclas de fita guiam o grupo nas suas apresentações pelas ruas da cidade.
A região, berço negado da nossa capital e da cultura do Bumba-Meu-Boi, vive em resistência sob constantes ameaças do poder público e privado de tentativas de desapropriação, além de todo o desamparo estrutural em saúde, educação e lazer.
encontro de bois- 2022
saída touro da ilha
AULAS PRÁTICAS NA ESCOLA JOSÉ NELSON
EM MEMÓRIA DE RÔMULO LEAL
O BOI NA LENTE
A ideia de realizar o processo formativo surgiu dentro do processo de realização de filme junto aos grupos de Boi em 2021, por meio da produtora LabCine Filmes, rodado de forma independente. Com a licença de permear no território e nessa cultura, almejamos transferir aos próprios brincantes de grupos de Boi e aos moradores da região a ação do registro, para que aquelas pessoas pudessem através do seus olhares e das suas perspectivas, dos seus lugares de protagonistas das histórias que vivem, produzir suas próprias imagens e narrativas.
Confiamos que essa possibilidade também seria capaz de contribuir para a criação de um acervo documental da cultura de Bumba Meu Boi na Zona Norte, em Teresina e no Piauí, onde as imagens e memórias tivessem mais uma chance de salvaguarda e as histórias contadas maior possibilidade de alcance - temporal e geográfico -, e que isso tudo implicasse em valorização dos grupos, da tradição, da região. Ao nosso ver e com a aprovação de membros do grupo Touro da Ilha, melhor do que criar um novo sítio para o projeto seria somar forças ao que já vem acontecendo na comunidade, e o site do Museu da Boa Esperança seria esse lugar - simbólico e material - fundamental.
Desafios encontramos em todas as etapas do projeto desde sua concepção até o seu chegar no mundo. Financiar projetos de cultura no nosso estado é uma tarefa árdua, conjuntura ainda mais prejudicada nos últimos anos de desgoverno que se seguiram. Trabalhamos no projeto com a viabilização do básico e em um calendário desarticulado por atrasos burocráticos desmotivadores. Para tornar possível, articulamos redes e fizemos de tudo coração.
Criar um planejamento pedagógico foi outro desafio. Montar uma estrutura de ensino da linguagem precisava ser por meio de uma abordagem que fizesse do universo da tradição não uma meta, mas um conector. Tínhamos em mente que falar de cultura é falar de subjetividade, territorialidade e tantos outros aspectos que nos lembravam que a formação não poderia se limitar a técnica operacional. Ainda assim, se haveria a chance de realizar a formação com os fins já mencionados, era válido também tentar fazer com que a formação significasse capacitação profissional aos participantes, e aí a técnica ocupava mais um lugar de importância.
Montamos turma mista, com vagas para brincantes de grupos de boi e vagas para moradores da periferia da Zona Norte. Os encontros foram divididos em teóricos e práticos, e parte deles aconteceram na Escola Municipal José Nelson de Carvalho, localizada no bairro Alvorada, Zona Norte de Teresina, localizada no perímetro da sede do grupo Touro da Ilha. A equipe da escola acolheu o projeto de braços abertos. É válido ressaltar que muitas implicações nos fizeram escolher a escola como espaço para a realização. A compreensão de que a relação entre escola e comunidade é um importante fator de desenvolvimento social e a provocação de (re)inserção do público nesse espaço (a considerar questões sociais e econômicas do recorte) foram algumas delas.
Como conclusão da formação, para a criação do acervo, realizamos práticas externas em dois momentos do mês de junho: 1- Encontro de Bois em Teresina; 2- Saída do Boi Touro da Ilha para apresentação.
Aqui, nesse acervo digital, uma janela se abre. Através dela, é possível ver a imensidão dos universos que atravessaram esse projeto.
Vida longa ao Boi Na Lente, ao Museu da Boa Esperança, ao Boi Touro da Ilha, à comunidade Boa Esperança, à cultura de Bumba Meu Boi no Piauí, aos mestres e brincantes de cultura popular, à juventude periférica.