Após 1 ano e 3 meses de investigação, no último dia 03 de dezembro, as comunidades do Bairro São Joaquim e Mafrense receberam o resultado do parecer final do Painel de Inspeção do Banco Mundial. A inspeção é fruto de pedido de 202 famílias que denunciam as violações de Direitos Humanos e Territoriais cometidos pelo Programa Lagoas do Norte, na zona norte de Teresina. Em novembro de 2019 e março de 2020 o Painel realizou visitas de inspeção nas comunidades requerentes, mas resultados apresentados não agradam moradores e moradoras.
O parecer do Painel de inspeção, apesar de reconhecer que o Banco Mundial não aplicou a política necessária no tocante as processos de remoção, opta por dar continuidade à política de reassentamento involuntário. O texto da carta enviada à imprensa informa que:
“A investigação do Painel se concentrou na fase do Projeto que inclui o reassentamento de cerca de 1.500 famílias. A investigação constatou que o Banco não aplicou de forma sistemática sua Política de Reassentamento Involuntário. O Painel determinou que a falta de coleta de dados sólida e de avaliação preliminar, juntamente com insuficientes consultas e participação da comunidade, levaram a medidas inadequadas de restauração de meios de vida e de assistência a grupos vulneráveis, entre outras questões”
Moradores e moradoras da Av. Boa Esperança, em reunião na noite desta quinta-feira, afirmam que o resultado do painel é parcial, favorecendo os interesses políticos e econômicos e consideram desrespeitoso que após audiências, reuniões e investigações, o parecer final não leve em conta as reivindicações comunitárias, mesmo reconhecendo que houve falta de dados e diálogo. “Continuam sempre usando o mesmo vocabulário se referindo à ‘remoção’ e nunca se referem a ‘permanência’. Que é o que realmente a comunidade quer. Nós queremos ficar e lutaremos”, afirma Luzia Lagoa, presidenta do Centro de Defesa Ferreira de Sousa.
O comunicado afirma ainda que, “A Gerência do Banco Mundial desenvolveu um Plano de Ação da Gerência, aprovado pelo Conselho de Administração, que detalha como o Banco trabalhará em conjunto com o Município de Teresina para tratar dos resultados da investigação do Painel”. Neste caso, Francisco Oliveira que é morador da av. Boa Esperança, questiona como um plano de ação foi aprovado sem levar em consideração as reivindicações comunitárias.
A tônica da carta apresenta como prerrogativa um plano de ação para contenção de enchentes: “As intervenções do Projeto incluem o reassentamento de famílias que se estabeleceram em lagoas sujeitas a enchentes e ambientalmente protegidas”, citando ainda uma enchente que ocorreu em 2018 em Teresina. No entanto, comunitários da Av. Boa Esperança se auto-reconhecem como comunidade remanescente quilombola que tem seus modos de vida atrelados aos rios e lagoas e que as afirmações relativas à enchentes são infundadas e ferem seus modos de vida tradicional.
A vice-presidenta do Centro de Defesa, Lúcia Oliveira, denuncia a falta de respeito do Painel de Inspeção do Banco Mundial e da Prefeitura de Teresina por se referir à comunidade Boa Esperança como urbana, sem levar em conta suas especificidades de comunidade tradicional. “Somos comunidade tradicional e é um desrespeito uma pessoa de fora dizer que não conhecemos os fluxos das águas, de onde tiramos nosso sustento a vida inteira. Este parecer não leva em conta nossas histórias, memórias e modos de vida ao continuarem na mesma tecla de remoção”.
Lúcia Oliveira, reclama ainda que o Banco e a Prefeitura alegam a presença de um dique, mas nunca apresentaram qualquer confirmação técnica de sua existência e real perigo de seu rompimento. “moramos aqui a vida inteira e nunca fomos alagados nas cheias que aconteceram no rio Parnaíba; na enchente de 1985 a cidade inteira ficou debaixo d´agua, menos a Boa Esperança”, conclui.
Mesmo o relatório reconhecendo as diversas falhas que houve na implantação do Projeto em suas etapas anteriores e que muitas lições foram tomadas a partir das denúncias dos moradores, reafirma a futura remoção da comunidade Boa Esperança: “O futuro reassentamento da comunidade Boa Esperança em Teresina oferece uma oportunidade para aplicar algumas dessas lições ainda neste Projeto.”
O Plano de Ação elaborado pelo Banco foi entregue à Prefeitura de Teresina a qual é responsável pela sua implementação.
Ao fim da reunião comunitária de ontem, moradores fortaleceram suas forças na luta pela permanência e fincaram ainda mais as raízes em seu território de origem. Veja o vídeo gravado pela comunidade:
Carta na íntegra:
Conselho de Administração do Banco Mundial aprova Plano de Ação após investigação do Painel de Inspeção do Projeto em Teresina no Brasil.
WASHINGTON, 3 de dezembro de 2020 – O Conselho de Administração do Banco Mundial considerou no dia 1 de dezembro de 2020 o Relatório de Resposta e Recomendação da Gerência e aprovou o Plano de Ação da Gerência que responde a uma investigação independente do Painel de Inspeção do Brasil – Projeto de Melhoria da Qualidade de Vida e Gestão Municipal de Teresina. A investigação do Painel foi em resposta a um Pedido de Inspeção enviado por 202 famílias que alegam ter sofrido prejuízos causados pelo Projeto nos bairros Mafrense e São Joaquim de Teresina.
O Projeto foi desenhado para abordar os desafios urbanos, ambientais, sociais e as inundações recorrentes que assolam a Região do Lagoas do Norte, uma das áreas mais pobres e vulneráveis do ponto de vista ambiental e social da cidade de Teresina. As intervenções do Projeto incluem o reassentamento de famílias que se estabeleceram em lagoas sujeitas a enchentes e ambientalmente protegidas. Nas últimas décadas, Teresina tem presenciado um aumento de enchentes. Fortes chuvas e enchentes desastrosas ocorreram em 2018, e novamente no ano passado, quando o Município teve que declarar estado de emergência.
A investigação do Painel se concentrou na fase do Projeto que inclui o reassentamento de cerca de 1.500 famílias. A investigação constatou que o Banco não aplicou de forma sistemática sua Política de Reassentamento Involuntário. O Painel determinou que a falta de coleta de dados sólida e de avaliação preliminar, juntamente com insuficientes consultas e participação da comunidade, levaram a medidas inadequadas de restauração de meios de vida e de assistência a grupos vulneráveis, entre outras questões.
A Gerência do Banco Mundial desenvolveu um Plano de Ação da Gerência, aprovado pelo Conselho Administração, que detalha como o Banco trabalhará em conjunto com o Município de Teresina para tratar dos resultados da investigação do Painel. As autoridades brasileiras, tanto ao nível dos governos federal e municipal, estão comprometidas com a implementação do Plano de Ação e com o Projeto. A Gerência do Banco Mundial continuará apoiando o Mutuário e supervisionará de perto a implementação do Plano de Ação e do Projeto.
“Agradecemos os resultados da investigação do Painel de Inspeção, que ajudará o Banco Mundial e as autoridades brasileiras durante o trabalho conjunto para melhorar os resultados de desenvolvimento para a população de Teresina”, disse o presidente do Grupo Banco Mundial, David Malpass. “O Grupo Banco Mundial está comprometido em ser responsável para com os beneficiários do nosso projeto, agindo cedo para corrigir problemas e promover uma melhoria contínua dos nossos projetos. Apoiaremos o Brasil na melhoria da gestão de riscos de enchentes e na inclusão social.”
“O Painel acredita que há lições deste caso no que diz respeito à aplicação da Política de Reassentamento Involuntário do Banco, não apenas em termos do que deve ser feito para preparar e implementar um processo de reassentamento, mas também em termos da necessidade de executar as etapas necessárias na sua devida sequência”, disse a presidente do Painel de Inspeção, Imrana Jalal. “O futuro reassentamento da comunidade Boa Esperança em Teresina oferece uma oportunidade para aplicar algumas dessas lições ainda neste Projeto.”
O Conselho de Administração reconheceu a importância do Projeto para os residentes do Munícipio de 2 Teresina e ressaltou a necessidade de aprender com os desafios da implementação que levaram à investigação do Painel. Os Diretores Executivos saudaram de forma particular as medidas iniciais tomadas pela Gerência do Banco e pelo Mutuário para responder prontamente as preocupaçoes antes mesmo da conclusão da Investigação.
“Preparámos uma resposta e um plano de ação trabalhando estreitamente com o cliente para ajudar a implementar ações de proteção contra enchentes de forma ambientalmente e socialmente sustentável”, disse Felipe Jaramillo, vice-presidente do Banco Mundial para a Região da América Latina e Caribe. “Muitos municípios brasileiros, como Teresina, estão altamente expostos aos riscos de enchentes agravados pela vulnerabilidade das comunidadess urbanas informais.”
A Gerência reportará anualmente os avanços na implementação do Plano de Ação, conforme é prática habitual.
O relatório completo do Painel de Inspeção do Banco Mundial referente ao Programa Lagoas do Norte pode ser acessado através do link: https://www.inspectionpanel.org/panel-cases/teresina-enhancing-municipal-governance-and-quality-life-project-additional-financing
Originalmente publicado em: https://ocorrediario.com/lagoas-do-norte-banco-mundial-reconhece-falhas-na-execucao-do-programa-mas-ainda-querem-remover-1500-familias-que-resistem/
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